Conheci a Potyra em 2015 em uma oficina de tecido acrobático em Balneário. Foi a primeira vez que tive contato com esse universo da acrobacia, que sempre quis muito, mas nunca tive a oportunidade de experimentar. Lembro do sufoco que foi tomar coragem, me inscrever e participar das aulas. Eu tinha muito medo de cair, de machucar minha perna e de não conseguir. A minha sorte foi ter encontrado uma professora firme como a terra pra me dar segurança e me fazer tirar o pé do chão e ficar de ponta a cabeça. Achei bonita a maneira como a Potyra guiava os exercícios daquele encontro, ela fazia os corpos se sentirem confiantes no chão para só depois subir ao céu. De pouquinho em pouquinho, cada movimento era uma conquista. Percebi que meus braços tinham força, que o tecido gostava de ser abraçado, e que para brincar naquele universo de força que parecia tão leve era necessário confiar e ouvir o próprio corpo - tudo depende dele. Esse final de semana da oficina, lá em 2015, causou uma revolução em mim, eu tinha superado um grande medo, e quanto maior é o medo, maior é o prazer de superá-lo. Subir no tecido fez eu confiar mais no meu corpo, fez eu me sentir potente, bonita e capaz. Nunca esqueci dos movimentos que aprendi naqueles dias, pois eles foram apreendidos não só por fora, mas por dentro de mim também. Quando comecei a escrever o projeto “O que meus pés me contam?” sabia que queria aprofundar minha prática dentro do lugar das acrobacias aéreas e que não teria melhor pessoa pra fazer isso comigo do que a Potyra Najara.
Queria que a assessoria de tecido acrobático desse projeto me ajudasse a mover e a criar dramaturgias e conhecimentos tanto externos quanto internos. Para mim o mais interessante não é chegar em uma imagem bonita com o tecido ou com a lira, mas o que me interessa é investigar o caminho que meu corpo percorre até chegar nas imagens. O circo coloca meu corpo em um lugar de risco e move muitas sensações e sentimentos dentro de mim, revelando assim marcas e memórias do meu corpo disforme. Acho bonito perceber que quando me movimento fora, mexo em lugares dentro de mim. Percebendo o meu corpo nesses lugares é que consigo ouvir o que os meus pés me contam…
Potyra, eu e Pedro Torres, responsável pelo registro desse encontro, demos início ao processo. Começamos no chão, alongamos e avisamos nossos corpos que iríamos usá-los de uma maneira diferente, fora do cotidiano. Rolamos, viramos cambalhotas, ficamos de cabeça para baixo para reorganizar o corpo e prepará-lo para voar. Nesse encontro trabalhamos com o foco na lira. Essa escolha foi feita, pois era um dos meus interesses de investigação pesquisar essa outra modalidade de acrobacia aérea e também pelo fato de ela nos dar mais estrutura e base que o tecido. A lira de certa maneira te oferece um “chão” pra se apoiar.
Aos poucos fui subindo na lira, tentando copiar a sequência de movimentos que Potyra tinha me passado. A cada movimento uma descoberta. Sinto que me falta confiança no joelho direito (da perninha), mas sei que não vou cair pq tenho a força dos braços. Quando cheguei em cima no centro da lira, me senti muito alta, o frio na barriga tomou conta de mim. Movimentos que pareciam ser fáceis, como deixar o braço cair para trás, se tornaram complexos, pois o corpo ficava rígido e tencionava com medo. Os meus movimentos lá em cima se tornavam densos e parecia que o corpo prestava muita atenção a cada micromovimento, buscando sempre um novo ponto de equilíbrio. À medida que fui subindo e repetindo a sequência, meu corpo foi se acostumando. Eu entendi que preciso encontrar um lugar onde o centro do corpo esteja firme e com tônus muscular, e as extremidades do corpo precisam encontrar um lugar de relaxamento e leveza para dar a sensação de que estou voando.
Percebi nesses encontros uma dificuldade muito grande de transferir meu peso pro lado direito. Acho que eu tenho tanto medo de cair pra esse lado, que meu corpo me engana. Eu me sinto torta, sinto que estou na beira de um abismo quando preciso deslocar meu peso para esse lado do corpo. No segundo dia de treinamento aprofundamos um pouco essa questão para realmente conseguir entender se essa dificuldade era por conta de uma limitação do meu corpo ou se era uma limitação da minha cabeça, algo que ensinei meu corpo a acreditar. Nesse segundo momento trabalhamos com acrobacias de solo, cambalhotas para frente e para trás, parada-rola, estrelinha... Foi fazendo esses exercícios que percebi que toda acrobacia começa na cabeça. Antes do corpo realizar, a cabeça precisa acreditar que o corpo consegue. Potyra me disse que fazendo a acrobacia você nunca tenta, você sempre faz!
Foi muito bonito e ao mesmo tempo louco perceber como o corpo registra as memórias que vamos acumulando durante a vida. Minha perna esquerda nunca deixa a direita se virar sozinha, é como se ela sempre quisesse ajudar a perna pequena. Nesses dias descobri que sou menos corajosa do que eu achei que era, e que muito dos meus limites estão na minha cabeça e não no meu corpo. Nesses encontros, literalmente despenquei, gritei como se não fosse mais encontrar o chão, virei de ponta cabeça e ensaiei cair pra direita. Encarei medos e limites que estão presos tão dentro de mim que nem percebia que tinha. Foi bom fazer isso amparada por pessoas que eu confio e que me dão segurança pra me fazer descobrir as potências do meu corpo. Agradeço imensamente a todo cuidado e dedicação da Potyra Najara e ao Pedro Torres por registrar esses momentos e por me levantar quantas vezes fosse preciso.
Sigo agora em treinamento, repetindo movimentos, intenções e afirmações para ensinar meu corpo novas possibilidades, outros jeitos de voar e de tirar o pé do chão. Vou buscando mudar dentro para fazer coisas lindas para o lado de fora. E assim sigo atenta a fim de ouvir O que meus pés me contam…
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