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Por Onde Anda a Chuva? - Oficina Inicial - Vivência com argila

Foto do escritor: La Luna Cia de teatroLa Luna Cia de teatro

Atualizado: 4 de abr. de 2023



A argila e o barro foram nosso ponto de partida para pensar na dramaturgia e construção das figuras desse espetáculo. Queremos falar da chuva, do excesso e da falta dela, dessa maneira o barro vem como matéria para nos ajudar a construir uma dramaturgia onde o excesso e falta de água virem jogo e ação.




No dia 18 e 19 de Fevereiro de 2023 demos início ao processo do projeto Por Onde Anda a Chuva?, o qual foi contemplado pelo edital Elisabete Anderle 2022. Abrimos essa jornada com uma oficina prática com a artista visual, ceramista e professora Dra. Betânia Silveira. O intuito dessa oficina era aprofundarmos mais nosso conhecimento sobre a matéria do barro, assim como sentir as sensações que esse material nos causava no corpo, para que assim conseguíssemos criar o corpo das personagens, figuras de barro, que darão vida a esse novo trabalho.



Em dois dias de trabalho dedicamos 12 horas a nos debruçar sobre cores, texturas, resistência, maleabilidade e processos de constante mudanças que existem dentro dessa matéria. Em um primeiro momento, Betânia falou sobre a argila, esse material que é um corpo amorfo, ou seja que não possui forma definida e por não possuir uma única forma pode ser todas. Para nós essa descoberta já nos levou a pensar no corpo da atriz/ator em relação às máscaras, onde o corpo pode ir adquirindo várias formas para dar vida a corpos diferentes.

Descobrimos que a argila é a junção de óxidos, e água, quimicamente um Silicato de Aluminio Hidratado e que pode ter uma série variada de outros minerais e elementos orgânicos mixados nesta base de óxido de alumina , óxido de silício (quartzo/areia) e agua molecular. Entendemos que a argila, embora um mineral, é uma matéria "viva" que realiza um ciclo completo na natureza, do pó à massa, e nas mâos humanas à forma, podendo com o ciclo das rochas voltar a magma e depois de bilhoes de anos voltar a ser pó, e retomar seu estado natural de argila. Ela está sempre em relação com a água e a umidade do meio em que está inserida, quanto mais água tiver mais plasticidade, quanto menos água mais rigidez. Betânia nos ensina que a argila segue a seguinte regra em relação a umidade do meio em que se relaciona “Quem tem mais dá, quem tem menos tira”. Uma frase bem potente que guardamos com muita atenção e

carinho nas nossas anotações.



Estudamos os estados do barro, e três pontos próprios do processo de secagem das peças modeladas: 1. O pó onde tudo começa. 2. a massa plástica que possui uma porcentagem significativa de água de mistura (30 a 40%) além da sua água molecular. 3. A barbotina, matérialidade do barro consequente da junção e liquefação dos fragmentos de argila ou barro seco quando são misturados com uma quantidade maior de água (50% ou mais) e, assim, formam uma pasta bem líquida, que é inclusive utilizada como cola na modelagem do barro.

A seguir os pontos do barro em relação a sua umidade e características próprias: O Ponto Plástico no qual a argila está em estado adequado para ser moldada, nem mole demais, nem rígida, é o ponto onde há quantidade de água ideal, o momento da plasticidade em que ela permite a ação de alterar sua forma sem se partir.


Ponto de Couro onde a argila está mais forte/firme, até esse estágio a argila ainda aceita ser trabalhada no sentido de alterar o que precisa ser consertado na forma já estabelecida, pois ainda há água de mistura que mantém suas moléculas unidas entre si. E o Ponto de Osso, no qual só sobrou a água molecular da argila, esse é o ponto da secura ótima para levar a peça para a queima ou reciclar a argila e levá-la novamente ao seu ponto plástico ideal para a modelagem. Neste ponto, a argila fica mais frágil por estar completamente seca e ter perdido a água de mistura que é responsável pela ligação entre uma molécula e outra possibilitando-nos uma massa plástica com estrutura. Por fim, se a argila for exposta a uma temperatura de 600 a 800 graus ela já se transforma em cerâmica. Mas pode-se usar muitas outras temperaturas nas queimas das cerâmicas, o que configura tres patamares possíveis para se transformar as argilas em cerâmicas de baixa ( de 600 a 1050°C), média ( 1050 a 1199°C) e alta temperatura ( de 1200 °C para cima).

A cerâmica é a junção dos elementos água, terra, ar, fogo e ser humano, que media todos esses elementos. Achamos muito interessante todos esses processos da argila e anotamos para utilizarmos como elementos para serem exploradas na criação das figuras-barro.


Ouvimos sobre cada um desses estágios do barro e em seguida de olhos vendados realizamos um exercício onde experimentamos modelar um pedaço de argila, focando nos sons, nas texturas e nas sensações que aquela manipulação nos causava. Ao longo do exercício Betânia ia adicionando a nossa massa elementos como água e depois capim.

À medida que o exercício foi acontecendo fomos experimentando a argila nos diversos pontos comentados anteriormente, e também sua relação com a matéria orgânica. No final do exercício fomos conduzidos a verticalizar as figuras que estávamos construindo. Quando abrimos os olhos, tivemos mais um tempo para aprimorar aquele objeto construído com o nosso toque e a nossa sensação em contato com a matéria. Esse exercício foi um encontro com o nosso inconsciente e durante essa experiência pudemos sentir como a própria argila também propõe e conduz a gente, esse processo é uma troca entre a mão que tenta da forma e a matéria que também solicita e sugeri ações. Senti minhas mão sendo sujas pela morte e a vida que está presente nesse ciclo infinito da argila.



No segundo dia, experimentamos um processo diferente, ao invés de a gente agir sobre o barro, neste dia a proposta era o barro agir sobre nós. Cada um de nós pegou um grande pedaço de argila (aproximadamente 10 quilos) e fizemos uma série de exercícios com ele: abraçamos, jogamos para cima, dançamos, pisamos, batemos… Sentimos o peso da argila sob o nosso corpo, descobrimos como o barro não é um material passivo, ele não deixa você fazer tudo que você quer nele. Há resistência, há peso e impacto. A argila acolhe e devolve a ação que você faz nela. Criamos em cima de

um lençol um chão de argila e através desse chão experimentamos a sensação de morte, ao sermos cobertos

por esse lençol de terra que era moldado sobre nossos corpos pelos colegas. E experimentamos a sensação de renascimento ao desejar sair debaixo daquela terra que nos cobria. Era necessário muita força e vontade pra querer nascer, assim como o esforço grande que é exigido para uma semente brotar, ou o de um broto achar seus caminhos. Foi um momento bem intenso e bonito o que vivemos juntes. Renascemos do barro. E entendemos que tudo nesse mundo um dia volta pra terra, todo molde individual um dia volta para um lugar comum, um todo.



Nesse mesmo dia aprendemos também algumas técnicas de moldagem e acabamentos de peças de argila, vimos a delicadeza que existe nesse trabalho lindo e artesanal, ouvimos as peças "falarem" e se moldarem junto com as nossas mãos. Percebemos que os movimentos que fazíamos pra fora nos moviam por dentro também.


Durante a oficina, além das experiências práticas, de literalmente colocar a mão e o corpo na massa, aproximadamente 80 quilos de argila extraídas da cidade de Canelinha (conhecida como cidade da cerâmica e das olarias), também ouvimos a maneira apaixonante e aprofundada como a Betânia fala dessa matéria. Ouvi-la era quase como uma aula de filosofia, era instigante, e tudo conectava muito com os desejos desse projeto, com os subtextos, com as situações de cena, e com os tipos de figuras e corpo que conduzirão o acontecimento cênico. Dois possíveis nomes para as figuras surgiram, Bentonita e Caulim, dois tipos diferentes de matéria que em oposição possibilitam muito o jogo cênico. O Caulim é considerado uma argila primária isto é, em geral é encontrado próximo de sua rocha matriz, e é acrescentado em misturas para trazer para as cerâmicas mais resistência ao calor e a cor branca ou o clareamento de suas outras possíveis cores, é parte imprescindível da composição das massas que dão origem a porcelana; Já a Bentonita embora similar ao caulim, é mais impura pois pode ter sido no seu transporte misturada ao óxido de ferro que lhe dá tons mais rosados. É um tipo especial de argila muito plastica resultado de tufos de vidros vulcânicos localizados em locais por onde passa água e que se partiram muitissimamente com a ação da água corrente. Ela tem a característica de reter mais a água e, portanto, quando está hidratada seu corpo incha e fica muitas vezes maior. Pode ser acrescentada em misturas para trazer mais plasticidade à outras massas. Possivelmente, as figuras-barro que, inicialmente, são amorfas podem dar abrigo a diversas máscaras, se deixarem modelar em diversos corpos, com características próprias e composições próprias para favorecer o jogo da cena.


Terminamos esses dois dias sujes e exaustes, mas muito preenchides por toda sutileza que agora somos capazes de ver no barro, na argila, na terra. O conhecimento de corpo que adquirimos passa e está registrado nas nossas colunas. Dessa maneira seguimos o processo bem aterrados, com uma boa base para enfim poder levantar e construir as figuras de barro que ecoam a pergunta Por Onde Anda a Chuva?


Fotografias e vídeos: Betânia Silveira Fotografia 1ª e 3ª: Bárbara Biscaro

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1 comentário


Pedro Ta
Pedro Ta
07 de mar. de 2023

Que lindeza de trabalho s2

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